Homenagem da Amanda ao pai
Eu me despedi...
Por Amanda Nohra Martins
Eu contei pra minha psicóloga,
semana passada, pela primeira vez, como foi nosso último dia dos pais.
Eu percebi que, ao contrário do que eu
pensava, eu me despedi.
Me despedi te prometendo o que
você sempre me pediu, te disse que moraria no interior do Maranhão com você e
largaria o que eu tinha aqui. Na época, eu, uma adolescente um pouco rebelde,
achava que perderia muita coisa no Rio.
Hoje eu percebo que ter você do meu lado compensaria toda e qualquer perda.
Eu me despedi porque, literalmente, fiz um vlog do meu dia te mostrando tudo que me lembrava você. Desde o horário que eu acordei, até a hora que eu fui dormir. Te mostrei que estava sentando na primeira cadeira da sala de aula, te mostrei que estudava no ônibus indo pro pré-vestibular, te mostrei meu caminho pra lá e o meu almoço com minha vó.
Tentei ser o mais fofa possível mesmo que isso
fosse zero a minha cara, te disse “eu te amo”, milagrosamente, sem ser ao
contrário (nós normalmente falávamos “OMA ET”). Ninguém dava o braço a torcer,
mas se tinha uma coisa que todo mundo tinha certeza era do nosso amor. Na
verdade, eles ainda têm.
Que orgulho eu sinto quando dizem
que você deixou uma versão mirim sua aqui na terra.
Eu me despedi quando comprei seu presente, simples, mas significativo. Te dei um All star, que era tudo que você queria quando era adolescente e jogava basquete. Sua felicidade foi tanta que, naquele momento, eu percebi que sua humildade era uma das suas maiores qualidades. Ou talvez você só tivesse tentando me agradar, porque na verdade pareceu o Ronald Mc Donald com aquele tênis.
Eu me despedi quando, naquele vídeo, enumerei tudo que amava em você e nunca tinha te dito. Meu Gru, eu te disse. Um homem imenso, de 120kg, de cara emburrada que, no final das contas, era uma manteiga derretida.
Falei sobre o quanto eu admirava seu coração sem saber que você iria com ele, coincidentemente ou não, três vezes o tamanho normal.
Você amou demais, cuidou demais, se preocupou
e fez coisa demais pela gente. Você só se foi quando me deixou pronta pra
encarar a vida lá fora.
E isso, inclusive, você me avisou
a vida inteira, eu que não percebi. “Amanda, se eu não te ensinar, a vida
ensina, e a vida é dura”. É verdade pai, seu esporro doía mas as porradas da
vida doem bem mais.
Em grande parte do tempo tínhamos
a mesma idade mental, talvez, você fosse até mais bobo que eu. Me acordava
lambendo a minha cara, me segurava pelas pernas de ponta cabeça e fazia
cosquinha no meu pé até eu gritar “pai eu vou fazer xixi”, literalmente,
ajoelhava no chão e fingia que era um cachorro pra brincar com Heart porque, na
sua cabeça, ele estava muito sozinho, dirigia o carro em zig zag quando eu estava
emburrada porque isso me irritava e quando eu me irrito eu rio, toda vez que
patinávamos no gelo, fazia questão de me derrubar sem dó nem piedade, fazia nó
no meu cabelo quando eu me distraia e eu tinha que pentear por horas, uma vez,
inclusive, eu tive que cortar, me pegava no colo e jogava na piscina quando eu estava
pegando sol porque "eu tinha que dar valor a piscina que eu tinha em
casa”,
botava muito sal no churrasco pra
eu provar e fazer cara feia… são tantas memórias bobas e felizes que esse papo
de “nem tudo são flores” vira uma grande baboseira quando eu lembro de quando
eu ainda te tinha aqui.
Também passamos momentos
difíceis, principalmente enquanto você corria atrás de um sonho que muita gente
achava que você não seria capaz. Spoiler: você foi. Te vi perder provas por
décimos, vi te processarem por algo que você não
fez e graças a DEUS conseguimos provar isso, mas isso também te fez perder
outra prova.
E, coincidentemente ou não, o dia mais feliz
da sua vida foi o mesmo que o meu. O momento que eu mais aguardei por anos foi
o que você me ligou e disse “filha, eu consegui”. Passamos mal, ao mesmo tempo,
você em Brasília e eu no Rio, sem saber o que estava acontecendo com o outro.
Nesse dia dos pais não vai ter
surpresa, não vou conseguir te mandar esse texto, não vai ter chuchu com
camarão e também não vou passar o dia rindo da sua cara de idiota.
Mas nesse dia dos pais, eu, com 23 anos, 5 anos depois de te perder, tenho mais certeza do que nunca do grande homem que
você foi. E como eu sou grata por ter tido o privilégio de partilhar a casa e a
vida com você. Meu gordão, meu gru, meu babão, meu amor, meu herói.
Onde quer que você esteja, eu vou
fazer você ter certeza que não errou na minha criação. E que, um dia, eu serei
metade do ser humano que você foi. E nesse dia, eu terei tudo.
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